sexta-feira, 21 de março de 2008

Exkolax Xungax


O país assiste em todos os jornais televisivos ao vídeo de um minuto e tal que mostra uma aluna de 9º ano numa acesa luta com a professora de francês, em plena sala de aula, no Carolina Michaelis, no Porto, e fica alarmado. A notícia é dada como se finalmente se tivesse descoberto a verdadeira escola portuguesa, o dia-a-dia de todos os alunos deste país.
Leio na imprensa de hoje que "a docente chama-se Joaquina, está no topo da carreira e regressou este ano à escola, após vários anos a desempenhar funções como coordenadora do Parlamento Europeu dos Jovens". Coincidência ou não, este episódio, que vários professores já tomaram como exemplo do que lhes acontece todos os dias (a saber da veracidade da frase), é protagonizado por uma docente sem experiência dentro da sala de aula nos últimos anos, que seria, como toda a gente sabe, essencial para perceber a nova população escolar do nosso país.
Também é imperativo ter em atenção este factor, que a ser verdade confirma as minhas expectativas: "Pela localização daquela escola, quem para lá vai vive às voltas da Boavista e os pais têm jantes de liga leve sem precisar de as gamar. Os pais da miúda histérica que agride a professora de francês estarão nessa média. Os pais do miúdo besta que filma a cena, também." Ora, tendo em conta estas informações, eu diria o seguinte:

1 - a esmagadora maioria das pessoas que assistiram ao vídeo já estudou numa escola pública alguma vez na vida. A minha pergunta é: alguém se lembra de ter assistido a alguma cena deste tipo ou de ter frequentado uma turma em que achasse provável que uma cena deste tipo acontecesse? Eu, nem como aluno, nem como professor, assisti a nada que se pareça, nem concebo que nenhuma turma que eu conheça ficasse contente, a rir-se e a filmar uma cena destas na sala de aula. Tendo o professor que retirar o telemóvel a uma aluna, e começando um desacato deste tipo, a reacção do resto da turma seria de medo e apreensão, quanto mais não seja pela atitude que o professor pudesse tomar ao enfrentar uma tão brutal falta de educação. Com isto quero dizer que é demagógico e ingénuo fazer deste vídeo um retrato da escola portuguesa. É como filmar o dia-a-dia da Cova da Moura e dizer que aquilo é o estilo de vida português.

2 - a reacção da aluna, tratando a professora por tu ("Dá-me o telemóvel já!"), é reveladora tanto da falta de respeito que a aluna tem à professora e ao papel que ela desempenha na sua formação, como da sua extrema má-criação e provável situação de impunidade em situações anteriores. Os alunos que se riem e o aluno que filma, e que chama "velha" à professora e "gorda" à colega, também não são diferentes dela. Se os alunos acham que estando numa aula podem fazer isto, e com "isto" incluo: rirem-se de uma luta professora-aluna por um telemóvel que não pode ser usado na sala de aula, filmarem a cena, não ajudarem a professora, etc - se acham que podem fazer isto, repito, é porque alguém lho permitiu até agora, e não tenho a menor dúvida de que assim seja. A professora veio este ano dar aulas, como se lê acima, e isso não pode ser ignorado, já que é essencial saber estar numa sala de aula, com o que isso implica em termos de domínio de turma, e não só ter muitos conhecimentos da área científica que se ensina. Ora, uma professora que conhece bem a turma a que lecciona não se envolve numa luta deste género na sala de aula. O que a professora fez foi grave. Mostrou aos alunos daquela turma que é capaz de ser como eles, tentando a qualquer custo aplicar uma autoridade que, paradoxalmente, mostra não ter, já que a aluna andou como bem quis pela sala atrás dela, a reivindicar o telemóvel que tanto lhe faz falta, bem como os alunos que estavam mais importados em assistir à cena do que em resolvê-la.

3 – A questão aqui é a seguinte: se a miúda não passa de uma mal educada, e que com certeza não teria problemas em fazer uma cena destas com os papás, e se a professora demonstra não ter sentido do ridículo para transformar uma má atitude numa feira dentro da sala, qual a solução que a escola prevê para situações deste tipo? É que me preocupa que as pessoas reduzam a solução a uma simples frase do tipo “não há solução. Os alunos são coitadinhos e podem fazer o que querem sem que nada lhes aconteça.” Ora, isto é mentira, e, provavelmente, a professora em causa pensa assim, e, talvez por achar que os meios que tem à disposição são inúteis, é que deixou a situação chegar a este ponto. Efectivamente, a professora não pode dar uma bofetada à aluna, nem pegar numa régua e exigir que ela lhe estenda a mão. Tenho a certeza que o país todo se lembrou desse tipo de educação ao ver o vídeo. O mesmo país que sairia à rua para protestar contra este tipo de educação fascista e autoritária. As sociedades têm que saber o que querem, e conhecer o sistema político que as rege e que lhes traz grandes benefícios mas também desafios. A democracia não pode ser muito bonita só porque trouxe um melhor nível de vida e liberdades que antes eram castradas. A democracia trouxe, no caso da escola, um sistema de ensino que visa integrar todos os alunos, e que, por isso, não pode esperar que os alunos sejam todos iguais e automaticamente preparados para a vida em sociedade. Se assim fosse, a escola fechava as portas. Se o professor acha que só tem que saber a sua área científica está enganado. Se o professor acha que não tem que lidar com situações complicadas e que não tem que aprender a resolvê-las está enganado. E há com certeza muitos professores que se rirão da colega que aparece no vídeo, e que são aqueles que não vão para os blogues e sítios de notícias dizer que também são violentados pelos alunos, escondendo-se no anonimato.
Assim sendo, a professora tinha 3 opções, nenhuma delas prevendo a arena que acabou por se montar: 1-deixava a aluna sentar-se, dando-lhe o telemóvel, prometendo um processo disciplinar que entregaria ao director de turma, e que seria do conhecimento dos pais; 2-expulsava a aluna, enviando-a para uma sala de estudo, e fazendo tudo o que está escrito no ponto 1, relativo ao processo disciplinar; 3-interrompia a aula por não haver condições para a prosseguir, levando a aluna, fosse sozinha, ou, se não o conseguisse, pedindo a ajuda de um funcionário (para isso é que eles estão em grande número dentro dos pavilhões), ao Conselho Executivo, para relatar o sucedido.

Este ano já tive, numa das turmas de 9º ano, um caso de participação ao director de uma turma por muito menos. Se os professores não gostam das opções que a escola lhes oferece para tratar dos problemas, então que mudem de profissão. Uma escola democrática tem que se reger por regras democráticas, e isto não significa que os miúdos sejam livres para fazerem o que querem, mas sim que os professores saibam como aplicar esta democracia. E a democracia implica responsabilidade e exigência, algo que a professora não mostrou neste caso. Só tentou mostrar que tinha mais autoridade que a miúda, o que resultou no que se viu. Se as regras que a professora poderia ter seguido não servem de nada à educação dos miúdos, então serve o quê? Este tipo de luta? Em que é que a professora se afirmou mais como autoridade, e em que é que a aluna aprendeu mais a conviver em sociedade? Alguém me explica?


Termino com as palavras de Daniel Oliveira, que não poderiam dizer melhor aquilo em que acredito:


“Ser professor é difícil. Recebem-se na sala de aulas todos as falhas familiares, todas as falhas sociais, todas as falhas do sistema. E no fim, o mais provável é ser-se maltratado por quem falha em casa, por quem falha na sociedade, por quem falha no sistema. Mas é esta a profissão que se escolheu e todas as profissões têm partes difíceis. E nesta profissão, em que se trabalha numa escola em que todos entram e têm de entrar, não se escolhem os alunos. Há, haverá sempre, casos quase impossíveis. São esses os ossos do ofício. Já havia quando eu era aluno. Para uns professores era dramático, para outros era um problema que tentavam resolver com muito talento e esforço. É difícil, mas simples: a disciplina e a autoridade nunca estão garantidos, conquistam-se. Até com os filhos.”
“A única coisa útil neste vídeo: é dar a algumas pessoas a noção de que a função de professor, sendo muito exigente, deve ser valorizada. E que quem a desempenha deve ser respeitado por isso. Mas que esta professora não sirva de exemplo. É por não estar à altura das suas funções (pelo menos neste momento) que sabemos que a profissão não é para qualquer um.”

1 comentário:

Bruna disse...

Há realidades e situações que nos ultrapassam, vivemos com uma venda permanente nos olhos, porque ver que existem várias realidades às vezes assusta, preferimos a pluralidade das coisas boas, esquecendo que esta também tem coisas menos boas.
Esta não é a realidade da escola portuguesa, no entanto, acontece, já se passou comigo, já tive um grupito de miúdos a ameaçar-me, miúdos estes que me rodeavam com posturas e algumas palavras ameaçadoras... não é a realidade, é uma das realidades...
Outra coisa que não concordo é o facto de tratar o professor por tu ser implicativo de falta de respeito, não o é. Seria se todos tratassem por 'você' e esta aluna por 'tu', tenho alunos que me tratam na 2ª pessoa do singular e é mesmo normal, até o prefiro, não é aí que está a autoridade, tampouco a falta de respeito, são posturas.
Custa-me ver que a cena não foi singular, uma vez que dado o sucedido já se preparavam para filmar, não tendo um único aluno ter saído para acabar com o sucedido. Quer-me parecer que não foi o 1º episódio, só ninguém sabe ao certo porque a Professora não apresentou nenhuma queixa, nem anteriormente, nem agora.
Culpa?! De todos, há deveres e leis morais que todos têm…ainda que queiram passar à margem delas!