domingo, 11 de novembro de 2007

O (des)acordo mais importante


O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é um daqueles nomes pomposos que pouca gente sabe exactamente o que é e para que serve, mas que todos tomamos como garantido de que existe e que rege a maneira como escrevemos a nossa língua. A verdade é que não é assim. Até agora, a situação foi basicamente esta: cada país luso-falante adopta o acordo ortográfico que bem lhe apetece, de todos aqueles que já foram ratificados. Por um lado, não se entende porque é que são ratificados novos acordos quando os anteriores não foram aceites por toda a comunidade luso-falante; por outro lado, parece que este é um problema menor, a língua sendo usada como arma de arremesso, principalmente entre Portugal e o Brasil.

No Chile, durante a Cimeira Ibero-Americana, Sócrates apressou-se a destacar que não há em Portugal um sentimento de inferioridade em relação a Espanha. Se aqui Portugal significa "os Portugueses" não tenho bem a mesma impressão do senhor Primeiro-Ministro. Há uma tendência errada do português para ver em Espanha a sua salvação, mesmo que quando questionado sobre o velho tema do iberismo o seu nacionalismo absoluto venha automaticamente ao de cima. No entanto, isto prender-se-á mais com o legado do Dr. Salazar neste recanto ibérico.

Volto à questão da língua, onde me parece que a inferioridade em relação a Espanha é notoriamente visível. Espanhóis, mexicanos, cubanos, argentinos, chilenos, e toda a comunidade de país hispanos, que no seu total, é bem maior do que a dos PALOPs, não deixam de falar a língua como querem; entre todos estes países não deixa de haver grandes diferenças políticas. E, no entanto, no verso do meu dicionário da Real Academia Española, vejo escrito o nome das 22 academias da língua espanhola, dos 22 países hispano-falantes correspondentes, que, em conjunto, elaboram o maior e mais importante dicionário em língua castelhana. Ou seja, na escrita, todas as variações vocabulares em língua espanhola estão previstas, bem como as regras gramaticais.

Em Português, as coisas não acontecem assim. Chegámos a um ponto de ruptura tal, que existem dicionários de Português de Portugal e dicionários de Português do Brasil. Na Alemanha, alguns dicionários de Português do Brasil (da Langenscheidt!) vinham mesmo com o nome Brasilianisch-Deutsch (Brasileiro-Alemão). Não existiam aulas de Português. Existiam duas opções: Português de Portugal e Português do Brasil.

Ora, parece-me que isto é o maior desrespeito que pode haver com uma língua. O Espanhol não é ensinado separadamente em lado nenhum do mundo. O mesmo para o British e o American English. As diferenças são antes parte da natureza destas línguas, que são faladas em zonas muito distantes do globo. Mas não são partes de línguas diferentes! Por que razão há-de isto acontecer com o Português?

A meu ver, um verdadeiro acordo ortográfico eliminaria estas diferenças. Não podemos ignorar que por trás destas opções estão questões não linguísticas. Uma grande parte dos Brasileiros não se vê em Portugal um "país irmão", e não está disposto a mudar a língua que escrevem em detrimento da língua falada por um país minúsculo. Do lado dos Portugueses, a questão é a do orgulho e puritanismo da língua. Não nos parece aceitável escrever ação e ator. A raiz latina deve estar presente na escrita do dia-a-dia. A característica clássica do nosso Português deve persistir. Estes preconceitos não ajudam a um acordo ortográfico. Mas seria, a meu ver, este acordo que voltaria a colocar o Português no sítio que lhe compete, e que é o de uma das línguas mais faladas do mundo. Com o Brasil a conseguir inventar o "Brasileiro", deixaremos de ter a força que acredito que a língua tem. E se a força se mede em grande parte pelo número de falantes, então o Brasil ganha, e só temos que aceitar isso, até porque fomos nós os responsáveis.

O seguinte artigo explica algumas das diferenças que o acordo traria ao Português. Ao que parece, o actual governo está interessado na ratificação de um acordo definitivo. E eu só posso bater palmas:


"Acordo Ortográfico: O que vai mudar quando estiver em vigorOs efeitos não serão imediatos - mas a disposição recentemente anunciada pelo governo português de aprovar até ao final do ano o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa poderá ter desfeito algumas dúvidas, atenuado reticências, dissipado mesmo suspeições de «bloqueio».
O processo, de um momento para o outro, parece ter ganho um novo ímpeto. Segundo o chefe da diplomacia portuguesa, Luís Amado, disposição idêntica à de Portugal foi entretanto manifestada por Angola, Moçambique e Guiné-Bissau: os três comprometeram-se a ratificar «rapidamente» o Acordo e o Protocolo Modificativo. Falta agora converter «rapidamente» em medida de tempo...
A pergunta tem sido e continuará a ser feita: quando todo o processo - legal e diplomático - estiver concluído, quantos mais anos serão necessários para que todos os países falantes de Português o escrevam da mesma maneira?
Malaca Casteleiro, um linguista na primeira linha da defesa do Acordo, disse à Lusa que, entrando o documento em vigor, será necessário um período de adaptação «que não deve ser inferior a quatro anos, para permitir as alterações em dicionários, manuais escolares e para a aprendizagem das alterações ortográficas».
Quatro anos em Portugal, o Brasil não deverá levar mais tempo a consegui-lo, mas quantos anos em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau,São Tomé e Príncipe ou em Timor-Leste, que não solicitou ainda a adesão ao Acordo?
O futuro - o que é dizer também a real vontade política dos intervenientes - o dirá.
Pretende-se com o Acordo «a unidade da Língua» - na escrita e só na escrita, naturalmente. Acreditam os especialistas, e não apenas eles, que, unificada, a Língua portuguesa terá outra força, ganhará em «poder de afirmação» nas instâncias internacionais.
Para que a unidade se efective há cedências a fazer de um lado e do outro do Atlântico. Quem cede mais?
Os especialistas deitaram-se ao estudo e fizeram balanços: as modificações propostas no Acordo devem alterar 1,6% do vocabulário de Portugal.
Os portugueses deixarão, por exemplo, de escrever «húmido» para usar a nova ortografia - «úmido».
Desaparecem também da actual grafia em Portugal o «c» e o «p» nas palavras em que estas letras não são pronunciadas, como em «acção», «acto», «baptismo» e «óptimo».
Diz Malaca Casteleiro que as alterações a introduzir, «importantes para unificar e dar força» à língua portuguesa, «não são dramáticas, não vão assustar as pessoas».
No Brasil, a mudança será menor, porquanto apenas 0,45% das palavras terão a escrita alterada.
O trema utilizado pelos brasileiros desaparece completamente e ao hífen acontece o mesmo quando o segundo elemento da palavra comece com «s» ou «r», casos em que estas consoantes devem ser dobradas, como em «antirreligioso» e «contrarregra».
Apenas quando os prefixos terminam em «r» se mantém o hífen. Exemplos: hiper-realista, super-resistente.
O acento circunflexo sai também de cena nas paroxítonas (palavras com acento tónico na penúltima sílaba) terminadas em «o» duplo («vôo» e «enjôo»), usado na ortografia do Brasil, mas não na de Portugal, e da terceira pessoa do presente do indicativo ou do conjuntivo de «crer», «ler», «dar», «ver» e os seus derivados. Passará a escrever-se: creem, leem, deem e veem.
No Brasil, o acento agudo deixará de usar-se nos ditongos abertos «ei» e «oi» de palavras paroxítonas como «assembleia» e «ideia».
Com a incorporação do «k», «w» e «y», o alfabeto deixará de ter 23 letras para ter 26."

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