quarta-feira, 23 de abril de 2008

Dia Mundial do Livro


O livro que estou a ler é “O idiota”, de Dostoiévsky. Confesso que nunca tinha conseguido ler nenhuma obra do autor, porque desistia sempre ao fim das primeiras páginas, parecendo-me ser demasiados nomes russos em catadupa para memorizar e associar a um enredo que ia nascendo através da escrita detalhada, realista, contra a qual, ainda por cima, se insurgia o meu preconceito parido pela leitura de Eça, cujas obras, a partir de um determinado momento, se me afiguravam como uma espécie de fofoca next door em forma literária.
Há uns dias atrás lá tomei a decisão de pegar num livro do autor russo, e começar a lê-lo, sem pretensões de chegar ao fim mas sem deixar que o preconceito anti-escrita realista prevalecesse.
As 600 e tal páginas são, seguramente, um desafio. O último romance destas dimensões que terei lido foi com certeza alguma obra do Eça. A diferença é que Dostoiévsky não é chato. E por chato entendo o seguinte: descrições enormes de lugares, pessoas ou acções, que lemos como se nos apetecesse mesmo ler, só porque sabemos que são fruto de uma corrente literária que assim o defendia; isto é, lemos Eça artificialmente, conscientemente desculpando as infinitas descrições porque sabemos que é realista.
O que mais me está a fascinar n’O Idiota é a facilidade com que podemos seguir a narrativa, parando quando bem nos apetecer, já que os capítulos são surpreendentemente curtos (10 a 15 páginas cada um). As personagens de nome russo são fáceis de memorizar, apesar de serem muitas, exactamente pela particularidade de serem russos, logo desconhecidos, e, inconscientemente, associamos, por exemplo, Nastássia Filíppovna a uma cara, e Ívan Fiódorovitch Epantchin a outra. Seria pior se tivéssemos à nossa frente um romance desta extensão e com tantas personagens, e cujos nomes fossem Manuela, Maria ou João.
Outra característica da escrita de Dostoiévsky é a fina ironia, e a densidade e veracidade dos diálogos entre as personagens. Não há, por assim dizer, conversa mole. Não há momentos mortos, suaves, puramente destinados à transição entre partes ou mudança de lugares de acção. Não. Os diálogos são brutos, frios, demasiado imperfeitos para serem realistas. É esta imperfeição, existente nas entrelinhas, no que não é dito, nos “apartes”, por assim dizer, que o autor vai introduzindo, que conferem um certo deleite adolescente à leitura deste romance.
Uma leitura leve, tranquila, relaxada. Uma boa forma de ler alguma coisa mais chegada à terra, sem grandes pensamentos metafísicos, abstraccionismos exigentes, ou pretensões filosóficas transcendentais, mas que também não é supérflua ou estupidificante.

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