sábado, 23 de fevereiro de 2008

Linguisticando (ou afreakalhando este blog)


Encontrei hoje um artigo do Prof. Álvaro Iriarte Sanromán (Prof. do departamento de Estudos Portugueses do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho) no seu blog, em que chama a atenção para um texto de Frederico Lourenço, publicado no "Valsas nobres e sentimentais", sobre os "erres" no Português:


“Manuel Alegre, Mário Soares, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã têm outra coisa em comum, além do facto de serem de esquerda. Algo de muito sonoro os distingue de Aníbal Cavaco Silva. Trata-se do som da letra “r” em início de palavra (“revolução”), com grafia dupla no interior de um vocábulo (“terra”) ou em sequências como “honra” e “guelra”. O ponto de articulação do “r” dos candidatos de esquerda é apical: a ponta da língua rola contra o palato duro, um pouco atrás daquilo a que Homero chamou “a barreira dos dentes”. No caso de Cavaco Silva, o “r” é articulado na garganta: é o som gutural de quem anuncia a intenção de escarrar. Entrou na nossa fonética por via do estrangeirismo: primeiro conquistou a classe alta por ser o “r” francês; a pouco e pouco, a classe média foi imitando; por fim, contaminou a classe proletária por ser o “r” das telenovelas brasileiras. Hoje, o “r” de Cavaco Silva é o mais ouvido no nosso país.”



Para quem não se dá bem com a terminologia linguística, o que Frederico Lourenço distingue, é o "erre" standard, que a maioria dos portugueses usa, incluindo o PR. O outro "erre" é o "erre" espanhol, mais enrolado, que também se ouve ainda muita gente pronunciar.


O texto inteiro do Prof. Sanromán sobre este assunto pode ser lido no Portal Galego da Língua. Ali ficamos a saber que, após a Restauração, a vontade de afastar o português do castelhano espelhou-se na aproximação à língua francesa, mantendo-se até aos dias de hoje as diferenças de pronúncia de certos sons na língua portuguesa, como é o exemplo do "erre". Estas diferenças notam-se mais entre o português falado a norte, e o lisboetês (palavra que os galegos usam para o português de Lisboa, que lhes parece estranho).


PS1: freaks da linguística, acusem-se! Estou farto de ser só eu a interessar-me por estas questões.
PS2: clicar na imagem acima para entrar no maravilhoso mundo da fonética.

3 comentários:

Adam Rex disse...

Gosto do facto de nos termos afastado do castelhano, acabou por dar um toque único ao português. Agora se o erre diz alguma coisa sobre os de esquerda e os de direita, não sei.

Aquele Frederico Lourenço...:)

Bruna disse...

gosto mesmo estas coisas freaks!!! =)

Vítor Lindegaard disse...

Muito bem, um freak da linguística responde à chamada, embora um bocado à pressa... A ver se volto ao assunto, com mais tempo:

Cometários ao texto do Professor Sanroman:

“Concordo com o Frederico Lourenço na primeira parte da sua afirmação sobre a origem francesa da articulação do “r” velar ou uvular.”
É velar ou uvular? O r português não é, se exceptuarmos algumas variantes dialectais raras do francês (Jura, talvez, não tenho a certeza…), igual ao r francês. E os outros rr todos europeus “semelhantes” (neerlandês da Holanda, alemão “standard”, dinamarquês, sueco da Scania, norueguês da zona de Bergen, etc., também vêm do francês?” Até há zonas em Itália com rr guturais…

“Com efeito, o “r” francês vem dos tempos da Restauração.”
Curioso, quando muito provavelmente o r francês dominante nessa época era o r alveolar… Ah, mas então, se o r "gutural" vem dos tempos da Restauração, Frederico Lourenço está provavelmente enganado quando afirma que o r apical de que ele tanto gosta era o r de Camilo…

“Há, após a dominação filipina, um investimento claro (…) por parte das novas autoridades na substituição do castelhano pelo francês como língua de cultura. Um combate contra o gosto literário castelhano ainda vigente ou, mais ainda, contra a situação de bilinguismo que existia a nível das elites culturais e literárias.”
Não se compreende bem o que é que isto tem a ver com evolução fonética… A teoria de que o r “gutural” se instala em português como resultado de uma imitação consciente dos franceses (que ainda não o tinham…) por parte da elite portuguesa é uma teoria única – nunca vi ninguém defender nada semelhante para nenhum fenómeno de evolução fonética de nenhuma língua… Ou antes: já ouvi coisas semelhantes, mas nunca de ninguém que se devesse levar a sério (ver, por exemplo, a discussão sobre um erro crasso de Richard Dawkins em http://richarddawkins.net/forum/viewtopic.php?f=14&t=26053&st=0&sk=t&sd=a)

“Para acabar uma última nota: Estou convencido de que esta livre variação na articulação do “r” é responsável pelos muitos casos de dificuldades articulatórias com o “r” no português europeu.”
De que é que se está a falar aqui? O que é isso de “muitos casos de dificuldades articulatórias com o “r” no português europeu”?

Ver também o meu comentário ao texto de Frederico Lourenço em http://letratura.blogspot.com/2007/10/o-som-erre.html (nos comentários)