domingo, 30 de setembro de 2007

Considerações

Dizia Pessoa que o melhor do mundo são as crianças. E todos achamos o mesmo. Nas crianças está a verdade, nelas a inocência, nelas a pureza. Contudo, uma das profissões mais desgastantes e que, segundo se ouve dizer, leva mais gente a visitar psiquiatras, é a profissão docente. Porquê? Não são os putos um poço de doçura, umas mentes sem maldade? Parece que não. Pelo menos para os professores. E Pessoa não era professor.
Acabei um curso de ensino há alguns meses, no qual ouvi em diversas disciplinas relacionadas com a pedagogia, o desenvolvimento curricular, a sociologia da escola, etc, que o nosso papel é mudar. Por nosso entenda-se os dos novos professores. E mudar o quê? Mudar toda uma cultura escolar que é suportada por pessoas que não tiveram a formação pedagógica que agora nos foi dada. Pessoas que entraram no sistema porque não as havia suficientes. Pessoas que entraram na escola sem conhecer estratégias de abordagem de conteúdos, sem conhecer estratégias de abordagem pessoal com os alunos. Pessoas que viam a sua carreira prosseguir sem que grandes esforços tivessem que ser feitos. Pessoas que não se esforçavam por melhorar o sistema de ensino, porque lhes era mais confortável ganhar o seu ao fim do mês, e dispensar responsabilidades na hora de divulgação de resultados dos alunos, respondendo simplesmente: "-São todos uns burrinhos".
Este cenário escabroso, de alguma forma já suspeitado pela sociedade em geral, foi-nos pintado ao longo do curso, e sorrimos, porque de facto achávamos que era em nós que residia a revolução. Achámos que a classe docente era efectivamente a culpada pelos maus resultados dos alunos, pela péssima formação que provam ter. E estávamos à espera de chegar à escola em ano de estágio, e sentir o tão falado choque da realidade, em que as teorias de gabinete que nos são incutidas, podiam deixar de fazer todo o sentido, por haver questões básicas ainda por resolver nas escolas.
Chegado à escola, enfrento de imediato a resistência. Os professores colocados há anos numa escola não são fáceis de convencer. Convencê-los de coisas importantíssimas para nós, e totalmente dispensáveis para eles. Falo por exemplo da discussão sobre maneiras mais eficazes de avaliar os alunos - especialmente nas línguas estrangeiras, em que várias competências deveriam ser tidas em conta, e não o são. É mais fácil deixar estar como está, porque desta forma não é necessário rever toda uma conduta de anos, que parece funcionar, e por isso não tem que ser revista. Falo também da programação de actividades mais dinâmicas para os alunos, como visitas de estudo. Recusam-se. Justificam com o medo de que as faltas que essas visitas implicam sejam prejudiciais para a sua contagem de pontos, para assim chegarem mais rápido à titularidade. No entanto, quase imploram para que as actividades que realizaremos na escola incluam a dispensa de aulas dos alunos, provavelmente para que nos entretenhamos nós com eles, podendo eles fazer livremente o que bem lhes apeteça durante uma tarde ou manhã.
Uma professora já quase em fim de carreira elogiou "a nossa coragem" por escolhermos a profissão docente, quando o cenário é deprimente. A senhora pintou o nosso futuro como um vazio sem esperança. E uma mão cheia de perguntas assola-me: se eu não tivesse escolhido isto, onde estaria? se eu tivesse escolhido "Humanidades" mas outra área que não as línguas que estaria a fazer? Direito? Seria mais um dos milhares de advogados deste país que ocupam pisos e pisos de escritórios por essas cidades fora, a definhar em frente a processos e processos menores e sem a mínima importância ou interesse para eles? Se tivesse ido para as ciências, será que teria escolhido medicina? Será que o teria conseguido? E se o tivesse conseguido, estaria feliz? Fá-lo-ia com gosto?
A profissão docente é ingrata, de facto. Aquilo que me demarca, e estou convencido disso, é o jeito natural para as línguas. Porque haveria eu de renunciar a isso porque a sociedade me incute a ideia de que não serei útil? Quem disse? Quem me diz que não posso explorar aquilo que de facto faço melhor, devendo preferir em primeiro lugar a (suposta) segurança e o status que outra carreira qualquer me daria. E o que é feito do gosto, da vocação? O que é feito da vontade de mudar alguma coisa ao nosso lado, por pequena que seja, em detrimento de uns quantos mais euros ao fim do mês, e a assunção de um estatuto e respeito sociais que só alimentam a divisão social em bons-maus, ricos-pobres, formados-não formados? Ou serei um sonhador com ideias parvas e naives?
Aquilo que me rói é entrar no mundo da empresa "escola", e ver que ela não passa disso mesmo. De uma empresa com muitos interesses, legítimos todos eles, só havendo um que sendo hipocritamente considerado publicamente como o mais importante, é deixado de lado, e que é o dos alunos.
Como vinha a dizer atrás, os professores são primariamente culpados pela situação. Porém, venho a descobrir que o facto de serem assim, advém da situação em que se encontram por pertencerem à máquina do Estado, que lhes ata as mãos e os pés, e depois exige deles que corram até muito mais longe do que têm conseguido correr.
Há todo um conjunto de burocracias e regras ditadas pelo Ministério da Educação que não permitem aos professores (pelo menos àqueles que querem) inovar um pouco, seja na abordagem do “programa”, seja na elaboração dele. Há uma panóplia de afazeres dos professores na escola que não deixa que estes se possam concentrar totalmente no melhoramento das aprendizagens dos alunos. Há, em suma, uma máquina que tem que ser mantida, uma máquina organizativo-burocrática que sem os professores não funciona, e que é para eles mais relevante em termos de progressão na carreira do que a maneira como dão aulas. Os únicos que teriam voto na matéria para julgar a atitude dos professores dentro da sala de aula seriam os alunos, e esses são reduzidos a meros observadores do processo, ou causadores de problemas, sem autoridade para dizerem de sua justiça se a escola como existe lhes faz sentido ou não.
Tudo isto faz da escola uma empresa muito complicada, mas fascinante. Pelo menos eu vejo-a assim. É muito fácil sermos bons professores fora do sistema público de educação. Tudo nos é dado de bandeja, temos liberdade de actuação, e logo fazemo-lo com mais gosto. O que é necessário na escola pública é a verdadeira preocupação com os problemas que ele oferece, e para isso temos que estar genuinamente interessados em ajudá-la. Sem apoios, remunerações e respeito, esta tarefa torna-se difícil. Mas com vontade e com uma adopção genuína do lema de Fernando Pessoa, talvez possamos dia a dia concretizar pequenos passos que levem à tão desejada mudança.

sábado, 29 de setembro de 2007

"O país está doido" (Santana vs. Mourinho)

Nada mais acertado. Finalmente alguém que os teve no sítio na hora certa para mandar aonde sabemos que devem ir uma grande parte dos jornalistas deste país.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Feeling kinda wanting to hear this song

Acabo de descobrir que a extraordinária Fiona Apple gravou um original dos Beatles, Across the universe, para a Banda Sonora do filme Pleasantville (quem o tiver que me diga). Uma música para ir às nuvens e voltar em 4 minutos e 27 segundos. A Fiona linda como sempre, e uma letra que vale a pena conhecer.

Across the universe

Words are flowing out like endless rain into a paper cup,
They slither while they pass, they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my open mind,
Possessing and caressing me.
Jai guru de va om
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.

Images of broken light which dance before me like a million eyes,
That call me on and on across the universe,
Thoughts meander like a restless wind inside a letter box they
Tumble blindly as they make their way
Across the universe
Jai guru de va om
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.

Sounds of laughter shades of earth are ringing
Through my open views inviting and inciting me
Limitless undying love which shines around me like a
Million suns, it calls me on and on
Across the universe
Jai guru de va om
Nothing's gonna change my world,
Nothing's gonna change my world.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Dia Europeu das Línguas


"As línguas são a própria essência da União Europeia. As línguas que falamos definem quem somos. A União Europeia respeita a diversidade cultural e linguística dos seus cidadãos.No termo de um Ano Europeu das Línguas 2001 extraordinariamente positivo, organizado pelo Conselho da Europa e pela Comissão Europeia, foi decidido que o dia 26 de Setembro seria, anualmente, o Dia Europeu das Línguas, para comemorar o rico património de culturas e tradições que todas as línguas europeias representam - e não apenas as 23 línguas oficiais da União Europeia. A diversidade linguística dá-nos a oportunidade de entrar na pele de outra pessoa e ver a vida de uma perspectiva diferente."
A título de curiosidade, as 23 línguas oficiais da União Europeia são:
Alemão
Búlgaro
Checo
Dinamarquês
Eslovaco
Esloveno
Espanhol
Estónio
Finlandês
Francês
Grego
Húngaro
Inglês
Italiano
Irlandês
Letão
Lituano
Maltês
Neerlandês
Polaco
Português
Romeno
Sueco

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Psychological mayhem

Num dia podes ser o melhor que podes e o pior.
Num dia aplaudes a ti próprio e dás uma bofetada a seguir.
Num dia recebes sorrisos que te deixam orgulhoso e sorrisos que te deixam de rastos.
Num dia sentes que és rei e que és rasca.
Num dia. Num mesmo dia.

domingo, 23 de setembro de 2007

Poema de Amor para o início de Outono

Morgens und abends zu lesen






Der, den ich liebe

Hat mir gesagt

Dass er mich braucht.




Darum

Gebe ich auf mich acht

Sehe auf meinen Weg und

Fürchte von jedem Regentropfen

Dass er mich erschlagen könnte.



Bertolt Brecht

sábado, 22 de setembro de 2007

O outro lado de Auschwitz


O United States Holocaust Memorial Museum mostra no seu sítio um álbum de fotos, todas tiradas por Karl Höcker, adjunto do último comandante de campo de Auschwitz. Nas fotos vemos como eram ocupados os tempos livres dos oficiais, as festas, os concertos, as àrvores de Natal, funerais dos soldados alemães mortos em ataques dos Aliados, e muito mais. De um lado estavam todos os que não mereciam viver, cujas fotos já todos conhecemos; do outro estavam os alemães, desde soldados a mulheres ajudantes (Helferinnen), levando uma vida normalíssima, retratada nestas fotos agora divulgadas. Se não nos dissessem de onde vem este material, poderíamos perfeitamente pensar que esta gente estava numa quinta onde se criam animais, ou numa casa privada, a servir um senhor rico. A verdade é bem mais impressionante. As pessoas que vemos sorrir nestas fotografias cuidavam do bom funcionamento da maior e mais bem organizada indústria de morte alguma vez concretizada no continente europeu. Aqui fica uma das imagens.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Humm

Longe vão os dias em que todos ouvimos pela primeira vez a canção dos Toranja que nos conquistou. Sim, porque a piada do "ah, o toranjo resolveu pegar num monte de palavras e juntá-las numa música" não pega. Todos devemos admitir que andámos com a letra da Carta na cabeça, e que, naquela altura, todos gostámos da inovação que o autor, queiramos ser honestos, trouxe para o panorama musical português (salvaguardando, obviamente, as semelhanças com Jorge Palma, mas essas já têm o estatuto de "facto", não nos cabendo por isso entrar em discussões sobre o assunto).
Sei, igualmente, que todos nós nos arrependemos desses longos dias (quiçá noites) em que ouvíamos a música, e cantávamos em uníssono com o rapaz, sorrindo e pensando em quão agradável resultavam os dois simples acordes da canção a acompanhar uma tão heart-breaking declaração de amor. Todos nós ganhámos juízo, entretanto, e a toranja ficou para a história.
O facto de que esta canção conseguiu arrancar-nos emoções tão extremas como o espectáculozinho ridículo no carro a cantar "numa chama minha e tua" e o agora extremo ódio a um passado tão vergonhoso como é o tempo da nossa vida em que vibrámos com esta canção, este facto, dizia eu, pode causar injustiças na avaliação da nova canção de Tiago Bettencourt. Porém, uma coisa é certa: acho a música estranha, à falta de adjectivo melhor. A suposta originalidade da canção põe a própria originalidade em causa, levando-a a tocar o bacoco. Não sei que pensar. Pelo menos o rapaz teve a coerência de chamar à canção "Canção Simples". Nada mais acertado.
Assumo, no entanto, que esta música se me tornou um tanto ou quanto pouco séria, a partir do momento em que a ouvi, ainda desconhecendo a original, a versão de uma amiga, que temo ter cortado de raiz qualquer gozo que eu poderia vir a ter ao ouvir esta música. Quiçá a culpa seja dela, e não do Tiago?

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Uma coisa vos digo...

Desta semana de primeiro contacto com os meus alunos, há algo que se destaca pela negativa, e há todo um grupo de professores que eu passo a respeitar a partir da tarde de hoje, em que sofri como já não me lembrava de sofrer. CORRIGIR TESTES É A COISA MAIS HORRÍVEL QUE EXISTE!
É o maior teste à paciência que pode existir. Acrescentando ao facto de que este era um teste de apenas uma turma e diagnóstico (conhecimentos enferrujados do verão), o facto de que estávamos enfiados numa sala quente, com mistura de suores e sofás de couro desconfortáveis, posso apenas dizer que sobrevivi a muito custo, e os risos doidos que nos saíam naturalmente eram o escape possível dum stresse que vai comendo os nervos lentamente.
A boa notícia é que as quatro turmas a quem darei aulas são do melhor que se pode querer. Não há maneira de resistir a sentimentos foleiros carinhoso-paternais quando se olha para aqueles miúdos. O trabalho é muito, mas vai valer a pena. Há momentos em que o sentimento de confirmação do gosto por esta profissão é extasiante.

Look who's coming to town

Coldfinger - Supaficial

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Perspectivas

"O puxador da porta é a mão estendida de uma casa".

in Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Boas notícias...


António Lobo Antunes recebe ovação no 7º Festival de Literatura de Berlim.


"Visivelmente emocionado, o escritor português evocou as suas raízes germânicas, afirmando estar na terra que o seu pai 'considerava sua e considerou até à morte'".

Más notícias...

Hoje no JN:
"Não há, em nenhum país da União Europeia a Quinze, uma única região com menor capacidade para criar riqueza do que o Centro e o Norte de Portugal e, logo a seguir, o Algarve e os Açores. Nem sequer as regiões gregas, com quem Portugal se vinha a comparar nos últimos anos. Os dados datam de 2004 (os últimos disponíveis), mas a disparidade deverá ser hoje ainda maior, já que Portugal tem crescido abaixo da média europeia. E, nos próximos anos, o desenrolar de acontecimentos deverá deixar o país ainda mais longe dos parceiros europeus, já que aproveitará menos as políticas de coesão comunitárias do que, por exemplo, a Grécia, indicam estimativas preliminares da Comissão Europeia."
- E esta:
"Se a escolaridade mínima é o mais normal no país, então poucas serão as pessoas com o secundário completo. No Norte, o último lugar da lista, só uma em cada dez pessoas terminou o 12.º ano. Como seria de esperar, seguem-se as regiões autónomas, o Centro e o Alentejo. Novamente, não há aqui qualquer outra região de qualquer outro país comunitário. Portugal, no seu conjunto, tinha pouco mais de um décimo da população activa com o secundário - a média comunitária, incluindo a dos países do alargamento, de é 50% (metade)."

domingo, 16 de setembro de 2007

Seemann

Uma canção para um dia de saudosismo, como é o de hoje.

Rammstein - Seemann

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Amo Amo Amo


esta mulher.

Fiona Apple

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Farto

Não tenho paciência para explicar às pessoas porque é que tenho tanto trabalho ainda antes das aulas começarem. Não quando todos acham que ser professor é chegar à escola no primeiro dia, agarrar no manual, abri-lo, debitar o que lá diz, e encerrar a aula. E repetir isto todos os dias até ao fim do ano lectivo. Não é isto, mas não me perguntem o que é então, porque não vou ter paciência para vos explicar o que é.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Ensino obrigatório até aos 18




Parece que a ministra da educação acaba de anunciar que a partir de 2009 os alunos terão que permanecer na escola até aos 18 anos de idade. Sra Ministra, um pedido: explique ao país PORQUÊ. Não interessa ao país saber que os miúdos ficam na escola até mais tarde, nem aos próprios alunos, se não lhes mostrar que o investimento na formação representa, de facto, um benefício para eles, e que não é apenas uma imposição teórica da Europa que se quer civilizada. Mais um conselho: de preferência, utilize outros argumentos que não sejam a oferta de computadores e de quadros interactivos. Sem alunos preparados para a seriedade e sem professores bem formados, bem que o país continua por longos anos com o seu défice educativo, apesar das escolas estarem apetrechadas com tanta tecnologia.




Vejo na notícia um motivo de sorriso para nós, professores. Com mais gente a ter que aprender, mais gente terá que ensinar. Espero é que tanta tecnologia não faça o país esquecer que ainda existe uma área recôndita como é a das humanidades, da qual saliento, como é óbvio, as línguas e as literaturas.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

When one word is enough




invincible

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O poeta inventado


Amadeu de Souza Prado. Este é o nome de um poeta português a partir do qual se constrói a história do romance "Nachtzug nach Lissabon" (Comboio nocturno para Lisboa), do suiço Peter Bieri, que escreve sob o pseudónimo Pascal Mercier.

Não li nada sobre este romance na imprensa portuguesa, o que é natural, uma vez que este foi publicado em 2005 na Alemanha, país onde o escritor é professor na Freie Universität de Berlim. No entanto, toda a história se concentra na descoberta de um professor suiço da cultura portuguesa, a partir de um encontro casual com uma mulher num dia de chuva em Berna, sua cidade natal. A anónima encontra-se numa situação algo incómoda; ao telefone, cheia de livros na mão, tenta apontar um número que alguém do outro lado da linha lhe está a dizer. Gregorius (o professor suiço) ajuda-a, e acaba por levá-la para a escola onde lecciona. Ao reconhecer pelo seu sotaque que a sua língua mãe não é o francês, pergunta-lhe qual o seu idioma, ao que a mulher responde "português", em português. A sonoridade desta palavra despoleta um estranho e curioso interesse de Gregorius pela língua da mulher (que misteriosamente desaparece), e é isto que o leva à descoberta de um livro em português de um tal Amadeu de Prado, cuja leitura leva o professor a aprender português de modo autodidacta e a abandonar repentinamente a cidade onde descobriu que tinha uma vida de que não gostava. Gregorius parte para Portugal, descobrindo a história e a vida pessoal de Amadeu de Prado,e envolvendo-se nela, e com as pessoas que a ela sobreviveram.

O romance é longo e inesperadamente detalhado no que diz respeito aos lugares (Lisboa, Coimbra, Almada, Esposende, Viana do Castelo, Galiza, Salamanca). Há claramente uma tentativa do autor de descrever estes lugares apenas como cenário da acção, e não como descrição exacerbada dos costumes e pessoas destes lugares, o que concentra a narração somente na personagem de Gregorius e na sua busca de pessoas relacionadas com Amadeu.

O que mais surpreende é a suposta transcrição de extractos completos do livro de Amadeu que Gregorius tem na mão dia e noite, e que vai traduzindo, e que não só consiste em reflexões sobre o sentido da vida e da morte, como provoca uma vontade imensa de ler os escritos reais de Amadeu, que apesar de tão verosímeis no romance, acabamos por descobrir que não existem, nem o próprio poeta.

Uma tradução da obra vencedora do prémio literário Marie Louise Kaschnitz, em 2006, para língua portuguesa seria interessante. Para já, a todos aqueles que se dão bem com a língua alemã aconselho vivamente a leitura.

domingo, 9 de setembro de 2007

1ª semana

O balanço da primeira semana de presença na escola é muito positivo. Foi uma sensação estranha voltar à escola da qual guardo muitas recordações como aluno. No entanto, estou a gostar de conhecer o lado do professor, todos os trabalhos prévios ao início do ano lectivo. Sinto que tenho em cima de mim responsabilidades como estagiário e como professor no futuro que, curiosamente, estou a gostar de ter. Sinto uma certa adrenalina de momento ao pensar que tenho ideias na cabeça para tentar fazer a minha prática da maneira melhor possível, e especialmente contribuir para se mudarem as práticas que ainda dominam, e que se relacionam com atitudes de acomodação e conformismo. Gostei deste início de ano. Um ano muito esperado ao longo de todo o percurso académico. Esta semana é a última antes do início oficial das aulas, o trabalho urge, e a expectativa é muita.

sábado, 8 de setembro de 2007

"Causas do desemprego dos professores"

...É o título deste artigo de João Miranda no DN de hoje, que, a meu ver, explica muito bem a razão para esta proliferação de professores (e não só) no país, apesar das altas taxas de desemprego. Aqui fica um excerto:

"Na maior parte das profissões, o melhor indicador do estado do mercado de trabalho no futuro é o valor dos salários actuais. Os salários diminuem com o aumento da oferta de profissionais. Por exemplo, se o rendimento do advogado médio é baixo, então é porque existem demasiados advogados no mercado, sendo provável que continuem a existir daqui a alguns anos. O Ministério da Educação não utiliza a oferta disponível no mercado para determinar os salários dos professores. Os salários resultam da pressão dos sindicatos e da disponibilidade orçamental. Não variam de acordo com a oferta de professores. Um estudante pré-universitário que utilize o salário dos professores como indicador do estado do mercado de trabalho acabará por fazer um juízo errado. Foi o que aconteceu aos actuais professores desempregados. Quando optaram por um curso superior relacionado com o ensino, a profissão de professor era bem paga, segura e prestigiada. O excesso de professores que já então existia estava camuflado por salários fictícios definidos politicamente. O erro de julgamento induzido pelos salários fictícios foi agravado por erros induzidos pelo financiamento público do ensino superior. Como o ensino superior é subsidiado, tanto os estudantes como as universidades tendem a ignorar sinais de alarme enviados pelo mercado. Os estudantes ignoram os sinais de alarme porque não estão a arriscar o seu próprio dinheiro. Se os estudantes tivessem de pagar o preço real da sua formação, fariam escolhas mais cuidadas. As universidades ignoram os sinais de alarme, porque o Estado subsidia-lhes os cursos, mesmo que elas enviem todos os anos centenas de finalistas para o desemprego."

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Maddie e a língua de Camões

O caso Maddie McCann está a servir para divulgar a língua portuguesa no mundo. Isso é que ninguém vê. A bem da divulgação do nosso belo idioma, continue-se este aparato. Veja-se em três jornais diários de hoje (El Mundo, The Guardian, Die Zeit) como a palavra portuguesa "arguido" vem explicada, em cada um dos idiomas correspondentes.

Quanto ao caso em si, se a mãe já é arguida, parece-me que o pai não demora a sê-lo também, e aí vai ser divertido ver como noticiará a imprensa britânica a partir de agora, quando é a polícia a oficializar o que até agora consideravam ser mera especulação dos meios de comunicação de um país atrasado.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Is book-missing a disease?


Tenho saudades das sensações que a leitura deste livro me provocou.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

E por falar em Soares...

O seu grande amigo Hugo Chávez teve uma ideia de génio. Depois de encerrar o canal de televisão RCTV, por se opor ao socialismo do século XXI, decide agora controlar os nomes que se podem atribuir aos bebés nascidos na Venezuela. Recomendo que leiam, chega a ser divertido.

Há pessoas que não desistem...

...como Mário Soares, que acaba de ser nomeado presidente da Comissão de Liberdade Religiosa (sim, isto existe!), como se lê aqui. É indecente a indiscrição do governo na atribuição de cargos a amigos, principalmente a este senhor, que não tendo conseguido o acesso à remuneração da Presidência da República, usa e abusa da sua imagem presunçosa de pessoa a quem todos devemos muito, para fazer o que bem lhe apetece, como se as comissões nacionais como esta (apesar de ninguém saber para que servem) fossem joguinhos para velhinhos sem nada para fazer.

Tristes governantes.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Primeiras impressões

Não é fácil entrar numa escola onde nos vão ser entregues alunos. Não quando é a primeira vez. Nestes dois primeiros dias o balanço é extremamente positivo. Há um sentimento de pertença a um colectivo que me agrada, e que me tem ajudado a entrar lentamente no sistema de burocracias necessários para a preparação da leccionação de aulas. Só para dar uma ideia, vou enumerar o que já fizemos até agora (eu, as minhas colegas de estágio e as coordenadoras de estágio de ambas as línguas - inglês e alemão).

1. conhecemos a escola (no meu caso já a conhecia como aluno), e isto inclui, apresentarmo-nos a todo o pessoal que nestes dias tem estado lá presente, docente e não docente. Entres estes estão professores de outras áreas que não as letras (e em específico o meu departamento - inglês e alemão) e os actuais membros do Conselho Executivo.

2. conhecemos material organizativo dos anos anteriores, respeitante à leccionação de inglês e alemão. Por material entende-se a planificação do ano lectivo, os manuais adoptados, e os manuais de recurso para material diverso.

3. mantivemos longas conversações com as diferentes coordenadoras sobre como abordar os alunos. Noções básicas de indisciplina, de como iniciar a relação com eles, e quais as melhores formas.

4. conhecemos mais de perto as turmas a que vamos leccionar, pelo menos as que já pertenciam a estas coordenadoras nos anos anteriores. Ficámos a saber sobre as características dos alunos e os resultados obtidos por estes em anos anteriores. Que casos melhorar? Que casos tratar com cautela? etc

5. discutimos a nível informal que ideias podem ser postas em prática no que concerne actividades dinamizadoras não só das turmas a leccionar como também a escola em geral.

6. opinámos sobre as áreas temáticas que vamos abordar, de acordo com o previsto no programa das disciplinas e dos manuais pelos quais nos poderemos guiar.


Por agora está tudo a andar a bom passo. E estou entusiasmado sobre os desafios que aí vêm.

A culpa é dos jornalistas

Sobre o caso Maddie há pouco a dizer que não seja simples fruto da especulação tanto jornalística como popular. Neste sentido, concordo quase inteiramente com o artigo de João Miguel Tavares de hoje no DN, em que se refere ao provincianismo português na abordagem do caso Maddie. No entanto, não posso deixar de salientar que se a especulação é o que é no nosso país, no Reino Unido não me parece ser melhor. A imprensa de estilo "Tal&Qual" inglesa é muito mais feroz, e parece-me mania da perseguição dizer que só aqui as coisas funcionam de maneira provinciana. A má imprensa britânica tem que ser desculpada só por existir num país que consideramos não provinciano? O abuso da comunicação social só é pernicioso no nosso país?

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Começamos bem...

O ano lectivo começa mal. Pior, o ano lectivo ainda não começou, e já a situação precária dos docentes em Portugal está na ordem do dia. Há cerca de 30000 professores que não foram colocados pelo ME este ano. A Sra Ministra vem agora dizer que "não se pode impedir ninguém de seguir a carreira de professor, mas os jovens devem conhecer as possibilidades de empregabilidade." É fácil para a senhora ministra dizer que os jovens devem conhecer as circunstâncias em que se encontra a carreira que pretendem seguir. No entanto, se é o ME a entidade empregadora dos jovens que, sabendo das condições de empregabilidade ou não, se matriculam nestes cursos superiores, e passam 3, 4 ou 5 anos a formarem-se para a docência, seria mais sensato que a ministra adoptasse um discurso mais compreensivo e menos hostil em relação a estes milhares de pessoas.

Interessante é, no entanto, a discrepância de atitudes num mesmo ministério que se acha no pleno direito de despedir quem seja por críticas ao primeiro ministro, e que por outro lado lava as mãos na questão da falta de emprego dos docentes, que, tratados quase como irresponsáveis pela escolha que fizeram, são implicitamente aconselhados a procurarem outra profissão.

E a três de Setembro de dois mil e sete...

...começa um novo ciclo. E é aqui que vou dar voz às ocurrências da minha vida de professor, e não só. Os recomeços são sempre difíceis, mas é com tranquilidade que as coisas acabam por surgir. As dúvidas quanto a esta profissão vão desaparecer ou aumentar com este ano lectivo, e espero que este espaço - o MEU quadrado - seja uma maneira de me orientar a mim e aos outros sobre o que se vai passando na minha vida.



Neste início de ano escolar encontrei-me por acaso com uma expressão tão tranquilizadora quanto alucinante. "It is all right to be me".



É o que veremos.